Carta das Mulheres do Coletivo dos Povos do Cerrado do Piauí
Nós, mulheres do Coletivo dos Povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado do Piauí, guardiãs da vida, das sementes, dos saberes ancestrais e da biodiversidade. Somos mulheres mães, extrativistas, raizeiras, rezadeiras, agricultoras, pescadoras, artesãs que sustentam os modos de vida tradicionais: cultivamos o alimento, conservamos o cerrado, partilhamos os ensinamentos de nossos saberes ancestrais com nossos filhos e mantemos viva a cultura e tradição de nossos povos. Nos levantamos em unidade para exigir respeito, justiça, reconhecimento da nossa existência, trabalho, políticas públicas e o direito de viver em nossos territórios com dignidade.
Vimos diante da sociedade, das autoridades públicas e todas as instâncias de poder aqui presentes reivindicar o que é nosso por direito: acesso a terra e território, acesso às políticas públicas que garantam vida digna para as mulheres e incentivo a produção agrícola familiar e a agroecologia. Seguimos sendo ameaçadas, violentadas e silenciadas pelas estruturas do machismo, do patriarcado e do racismo. Mulheres indígenas sofrem com o não reconhecimento de suas identidades por funcionários públicos e gestores locais.
Nossa fauna e flora sofrem com desmatamentos progressivos a cada ano, nossas águas já estão contaminadas pelo agrotóxico utilizado nas fazendas comprometendo a saúde de nossas famílias. Somos nós, mulheres, que ficamos em casa, cuidando das famílias, das roças e dos quintais. Por muitas vezes as milícias privadas, grileiros e jagunços covardemente aparecem em nossas casas quando nossos companheiros estão na roça e estamos sozinhas. Somos nós quem recebemos ordens de reintegração de posse, ameaças, intimidações, violências físicas e psicológicas. São nestes momentos que o medo se instala, paralisa, machuca e nos adoece.
Mas seguimos defendendo a terra, a natureza e a vida. Nossa história é marcada por luta, sabedoria e resistência. Lutamos por nossos territórios, por renda digna, pela preservação do nosso bioma, pelo nosso modo de vida. Lutamos para continuar existindo como povos do cerrado. Reivindicamos, com urgência:
● Celeridade na regularização fundiária e reconhecimento legal dos territórios tradicionais.
● Políticas públicas específicas para as mulheres do Cerrado;
● Garantia de permanência e segurança nos nossos territórios;
● Participação efetiva nos espaços de decisão sobre o futuro das nossas comunidades; ● Sermos ouvidas em nossas falas e necessidades pelos órgãos públicos e por toda a sociedade;
● Mais fiscalização sobre os desmatamentos e uso de agrotóxicos pelas fazendas da região.
● Promoção de ações voltadas ao enfrentamento do racismo estrutural que atinge mulheres negras e indígenas.
Seguiremos de pé, unidas, em rede, com nossos cantos, rezas, saberes e sementes. Somos muitas. Somos fortes. Somos raízes profundas que sustentam a vida no cerrado.
Pelo acesso justo à terra e ao território!
Por nossos modos de vida!
Por territórios livres!
Pela vida!
Mulheres do Coletivo dos Povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado do Piauí Assinam a carta as mulheres dos seguintes territórios:
Território Angelim
Território Barra da Lagoa
Território Brejo do Miguel
Território Cabeceira do Rio
Território Chupé
Território Grinalda do Ouro
Território Indígena Morro d’Agua
Território Indígena Vão do Vico
Território Lagoa dos Martins
Território Melancias
Território Quilombola Limoeiro
Território Salto
Território Serra Partida